sexta-feira, 1 de abril de 2011

Sucessão empresarial: Processo requer treinamento e boa gestão


Fonte: Revista Posto Avançado

As empresas familiares respondem por 85% do mercado brasileiro. A estimativa é do sócio-diretor da DS Consultoria Empresarial e Educacional, Domingo Ricca. Elas estão representadas nas megarredes, nos pequenos comércios ou nas revendas de combustíveis; e geram mais de 60% dos postos de trabalho. Apesar da relevância desses empreendimentos para a economia do País, o índice de empresas que fecham as portas ainda é muito grande e um dos principais motivos é a má gestão dos processos sucessórios.

"A terceira geração aparece vinculada aos problemas de quebra das empresas familiares. É o conhecido dito do 'pai rico, filho nobre, neto pobre'. Nessa geração, geralmente há disputa pelo poder, eles não presenciam o início dos negócios, não têm claro a valorização do que possuem", acredita. Para Ricca, que também é certificado em Governança Corporativa pela SQS Suíça e Fundação Vanzolini, e PhD em administração, o fundador deve ser visto como a pessoa mais importante no processo de sucessão e não pode ser afastado do negócio. "Muito pelo contrário, a importância dele é fundamental na área estratégica da empresa. O maior erro que sucessores podem cometer é afastar o dono da empresa completamente", diz.

Para o consultor, a cultura e os valores que fizeram parte da construção do empreendimento não podem ser perdidos, pois foram responsáveis pelo desenvolvimento. "O que não se pode perder é a credibilidade da palavra. Quando ele cresceu, há 30 anos, por exemplo, a força da palavra era imensa e, por isso, o maior receio é saber como transferir isso para os filhos", explica Ricca. Ele recomenda que os fundadores documentem os valores, a cultura, a missão e os objetivos do negócio e repassem aos sucessores para que possam consultar quando necessário. Isso pode compor um manual de procedimentos.

Ricca comenta que não há uma fórmula-padrão para um processo de sucessão sem problemas, mas acredita que quanto antes o empresário começar a pensar nisso, melhor. "Atualmente, há uma preocupação, pois sabem que aquilo que construíram precisa se perpetuar, e isso é possível somente com uma boa sucessão. Se não preparar a empresa para o futuro, a família poderá destruí-la. Se organizam juntos, tudo fica mais fácil". A sucessão deve ser realizada de forma segura e harmoniosa para a família e empresa. Por isso, o ideal é separar definitivamente essas suas instituições.

CONHECIMENTO

O especialista adverte sobre a importância em conhecer bem e da profissionalização, processo que deve ocorrer antes mesmo da sucessão. “Não é possível fazer sucessão sem profissionalizar a gestão. Isso não significa afastar parentes do negócio, pois eles podem ser competentes. Também não é alterar tudo no empreendimento, mas, sim, aproveitar o que há de bom e aprimorar isso para o futuro”, orienta. Conforme Ricca, a profissionalização não consiste em ensinar alguém a trabalhar, “até porque os fundadores geralmente já atuaram por 30 ou 40 anos na empresa”, mas inserir mediadores no processo que possam auxiliar nas decisões e propor estratégias.

Foi o conhecimento do negócio que auxiliou Carla Maria Lenhart a se integrar à empresa e assumir, junto com o irmão, o negócio da família. Ela é sócia-proprietária dos postos de combustíveis Mate Amargo, fundados pelo pai, Renito José Lenhart, nas cidades de Mato Leitão, Cruzeiro do Sul e Venâncio Aires. Desde 1985, ela atua nas revendas e sua aproximação acontece desde muito jovem, quando ajudava até mesmo na limpeza da pista.

Ela conta que o pai iniciou o negócio em 1976 e fez o empreendimento crescer. “Nossa casa ficava ao lado da empresa. É algo de família mesmo. Vem do berço e pulsa nas veias”, declara. Carla cursou administração estratégica com ênfase em qualidade e diz que a sucessão se deu de forma natural. “Nos aprimoramos, estudamos e trouxemos para dentro das empresas o conhecimento adquirido”, explica, ao afirmar que o afastamento do pai foi progressivo, mas que sempre era consultado, assim como a mãe, sobre as decisões a serem tomadas, pois a experiência que carregava era insubstituível.

Carla prima pela gestão profissionalizada. “Para alguns setores operacionais, dispomos de profissionais que nos auxiliam. Não podemos correr o risco de sofrer com a ‘miopia administrativa’, que nos faz olhar somente para um lado. É preciso agregar novas pessoas, elas vêm munidas de novas ideias e informações”, depõe.

AVALIAÇÃO DO SUCESSOR

Ricca observa que o empresário pode ser patrão de filhos ou parentes e isso requer mais cuidado nas escolhas. A opção por um sucessor deve ser avaliada e os motivos que o levaram a eleger determinado sucessor, esclarecidos. “A escolha não é realizada em decorrência de que um é melhor que o outro, mas porque, naquele momento, para o trabalho ou função, aquele filho ou parente será mais eficiente”, orienta.

É preciso preparar a família para receber a notícia e aceitá-la. O consultor comenta que será mais agressivo caso o empresário não faça essa avaliação do sucessor, conceda o cargo e, mais tarde, precise afastar o herdeiro, pois os problemas na gestão começam a aparecer.

O planejamento de sucessão familiar tem como ponto central a escolha do sucessor, e deve ser orientado por critérios claros que defendam os interesses da empresa. Os prontos críticos são:
.treinamento;
.avaliação na escolha dos sucessores;
.comparação do perfil do sucedido com o do sucessor, em relação ao que é exigido pela empresa;
.associação do sucessor da empresa com a imagem do fundador.

TERCEIRA GERAÇÃO BEM-SUCEDIDA

O Posto Budi, de Pelotas, leva o apelido de Francisco Shaun, fundador da revenda e avô de Luiz Henrique Schaun, sócio-proprietário atual que, com o irmão, compõem a terceira geração da administração. “Na década de 1950, meu avô vendia combustível a granel, depois passou a revender em uma bomba manual. Teve a oportunidade de construir o posto. Meu pai fazia faculdade de agronomia e assumiu o posto nessa época. O negócio passou a ter um perfil um pouco diferente, inclusive do tipo de combustível que vendia, que antes era com predominância de diesel e depois de gasolina. Meu pai conseguiu conciliar a faculdade de agronomia com administração do posto”, relembra.

Schaun explica que cursou engenharia civil e trabalhou na área por alguns anos até receber o convite do pai para auxiliar na gestão do empreendimento. “Setorizamos o posto e, atualmente, ele toma conta de alguns aspectos, meu irmão e eu de outros. Por uma questão de hierarquia familiar, respeito e admiração pela qualidade administrativa de quem manteve o posto funcionando por quase 50 anos, as decisões são tomadas também por base nas decisões dele”, expõe. Há 17 anos atuando na revenda, Schaun explica que existem conflitos entre as gerações, mas são bem administrados, por meio de conversas, e revertidos em avanços na administração.

O revendedor atesta as orientações do consultor ao falar: “Contamos com alguém passando toda experiência que tem nesse mercado e, nos dias de hoje, usufruímos um conceito de credibilidade, confiabilidade que está incorporado inclusive ao nome do posto, fruto do trabalho de nosso pai, de sua personalidade, garra e seriedade”. Para o sócio-proprietário, isso significa facilidade para perpetuar o negócio: “Nesses dias de crise de valores, contar com uma pessoa que está bem norteada em relação à ética é admirável. Somos felizes por ser uma família assim e preservamos isso no negócio, temos esse perfil.”

QUANDO PENSAR

O processo de sucessão passa pelo amadurecimento dentro da empresa. “Acredito que o dono deve começar a pensar nisso muito cedo. No mínimo de 10 ou 15 anos antes da data em que pretende se afastar”, recomenda a presidente do Conselho Regional de Administração do Rio Grande do Sul (CRA-RS) e coordenadora do curso de administração do Centro universitário Metodista – IPA, Cláudia Stadtlober.

Para ela, por algum tempo os administradores aplicaram a ideia de que o sucessor assumiria o negócio e o fundador era “colocado na prateleira, afastado. Nos dias de hoje, sabemos que o modelo de empresas desenvolvidas é o que aproveita o conhecimento dos profissionais com mais experiência e a agilidade de quem está começando”, afirma Cláudia.

Segundo a coordenadora, a sucessão com herdeiros que se aproximaram do negócio desde jovens torna-se positiva na maior parte dos casos. “Ele é um processo maduro. É muito melhor para a família e os negócios e todos entendem que cada um tem sua contribuição no empreendimento”.

Cláudia acredita que a maioria das empresas familiares brasileiras já percebeu a importância dos objetivos e de buscar o caminho para o crescimento. “Estão se dando conta de que não podem mais fazer administração de armazém como faziam antes. Agora é preciso fazer algo mais consolidado, profissionalizado, e podem fazer isso com o auxílio de consultoria”, orienta. O processo requer planejamento e profissionalização, sejam elas micro, médias ou grandes empresas. Essas empresas ou profissionais podem auxiliar os sucessores com o treinamento e organização do processo.

Josiane Barbi Paim se aproximou do negócio familiar aos 17 anos. O pai Roberto Casanova Barbi fundou o posto de combustível em Ijuí há 30 anos. Ele atuava junto à Texaco, e a aproximação com o setor fez com que migrasse para a revenda. Ela dirige o posto Barbi com a ajuda do pai e seu gosto pela empresa foi firmado, pois cursou administração na mesma cidade, enquanto suas irmãs se afastaram estudando em outros municípios.

A administradora diz que as decisões relativas ao empreendimento são tomadas em conjunto, pois o pai ainda atua diariamente no posto. “Conversamos bastante, divergimos às vezes, mas resolvemos tudo juntos. A relação com as diferenças de faixa etária é bem tranquila, mas trabalhamos muito mais quando a empresa é familiar”, depõe.

JURÍDICO

A sucessão também requer cuidados do ponto de vista jurídico-estrutural da sociedade. O contrato social funciona como um documento de identidade da empresa e dispõe os regramentos. “Deve ter definidas todas as questões relativas à forma de transmissão das cotas e de administração, bem como a participação ou não dos herdeiros dos cotistas. Aqui reside o problema central quando se trata de sucessão por ausência do sócio anterior, falecimento”, explica Claudio Fleck Baethgen, advogado do escritório Baethgen & Santos Advogados Associados, da assessoria jurídica do Sulpetro. Ele ressalta, porém, que quando há sucessão em vida, a disciplina da participação dos herdeiros também é importante, pois, na segunda geração em diante, costuma haver o ingresso de maridos e esposas, estranhos à família original que constituiu o negócio.

A partir disso, as disposições que vão desde o regime de casamento até a possibilidade de gestão por herdeiros no contrato social passam a ser relevantes. “Deve-se pensar na sucessão mesmo antes de se imaginar que ela de fato venha a ocorrer. Juridicamente, a grande questão é preparar a empresa, por meio do contrato social e seus regramentos para conduzir a sucessão (planejada ou não)”, orienta Baethgen. Para isso, toda e qualquer alteração contratual deve ser sempre realizada sob supervisão profissional do departamento jurídico da empresa para que os reflexos futuros sejam sempre projetados, sem surpresas.

Para empreender, é necessário:

.Descentralizar o poder;
.Dividir comandos;
.Respeitar e tratar seus parentes como profissionais;
.Saber que a profissionalização e a sucessão são os caminhos para perpetuar um negócio em família.

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